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A ARTE DE SER AVÓ

Raquel de Queiroz

...Quarenta anos, quarenta e oito. Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as sua compensações - todos dizem isso, embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade.

Não de amores nem de paixão; a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas, que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.

E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que se lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo ou decepção, se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis...

quarta-feira, 18 de maio de 2011

TECENDO FIOS 6

LEITURA DE IMAGENS
COMPLEXO  X COMPLEXIDADE

Um prédio de informações contribui para a educação de qualidade com a complexidade do mundo moderno?
            A insatisfação com o isolamento e a insuficiência das abordagens disciplinares para responder aos desafios da complexidade do currículo no mundo atual, tem contribuído muito para reflexões sobre a fragmentação do saber e a busca constante de meios para sua superação.
            Uma  proposta é a interdisciplinaridade, pois um trabalho interdisciplinar exige, impõe a cada professor que transcenda sua própria especialidade, tomando consciência de seus limites, para acolher as contribuições de outras disciplinas; dessa maneira, passa a ser interessante pois é um trabalho de complementaridade, de cooperação, de convergência de diferentes pontos de vista para esclarecer um problema e encontrar a melhor forma de encaminhá-lo, é fazer um edifício com apartamentos que se relacionem e se complementem.
            Porém, não é tarefa fácil, pois quando falamos em interdisciplinaridade, estamos de algum modo nos referindo a uma espécie de interação entre as disciplinas ou áreas do saber e é extremamente difícil lidar com conceitos de áreas diferentes da nossa, é difícil sairmos da lógica de nossos pontos de vista para compreender o do outro e chegar ao acordo necessário, ou ao desacordo justificado.
            Para que possamos vencer as dificuldades da participação, as mazelas das disputas, os conflitos de interesses, a inércia e o conservadorismo de certos educadores precisamos de um síndico que articule as necessidades dos condôminos pois só no exercício da confiança,  na identificação dos objetivos e condutas do grupo é possível realizar um trabalho interdisciplinar, contribuindo para melhorar a complexidade do currículo escolar, a fragmentação do processo ensino / aprendizagem sem perder de vista as finalidades e os valores da educação.
            Assim o prédio deixa de ser um monte de apartamentos cheios de informações e  isolados, para se tornar um complexo que contempla e vivência suas complexidades, que contribui para a educação que precisamos e almejamos.

TECENDO FIOS 5

Leitura de Imagens 
A escola e sua concepção de currículo


É uma tarefa quase impossível recortar nas abordagens dos autores, uma concepção de currículo sob a forma de definição, pois qualquer tentativa nesse sentido corre-se o risco de simplificações indevidas e injustas, apesar disso vou apresentar quatro citações que exploram dimensões e atributos de uma concepção de currículo.
“O Currículo, em seus conteúdos e nas formas pelas quais se nos apresenta e se apresenta aos professores e aos alunos, é uma opção historicamente confi­gurada, que se sedimentou dentro de determinada trama cultural, política, social e escolar; está carregado, portanto, de valores e pressupostos que é preciso decifrar, o que pode ser feito tanto a partir de um nível de análise político-social quanto a partir do ponto de vista de sua instrumentação "mais técnica", descobrindo os mecanismos que operam em seu desenvolvimento dentro dos campos escolares. "(SACRISTÁN, 1998, p. 17).
O “Currículo é o conjunto de todas as experiências escolares de conhecimento proporcionadas aos / às estudantes, portanto se constrói na instituição esco­lar, nos acordos e conflitos diários no interior dessas instituições. Se o currí­culo, evidentemente, é algo que se constrói, seus conteúdos e sua forma última não podem ser indiferentes aos contextos nos quais se configura" (LOPES, 2000, p. 19).
“Acima de tudo, precisamos abandonar o enfoque único posto no currículo como prescrição. Isto significa que devemos adotar plenamente o conceito de currículo como construção social, primeiramente em nível da própria prescrição, mas depois também em nível de processo e prática" (GOODSON,1995, p.67).
"O conceito de transformação como central do currículo - transformando as­sim os materiais, processos, idéias e participantes do currículo ... significa que os professores e alunos precisam ser livres, encorajados a desenvolver o seu próprio currículo em interação uns com os outros. A orientação geral de onde eles partem - livros didáticos, guias de currículo, departamentos de educação estadual, organizações profissionais ou tradição passada - precisa ser exatamente assim: geral, ampla, indeterminada. A determinância decorre do processo de desenvolvimento do currículo que cada situação local toma como o centro de seu processo educacional." (DOLL, 1997). /
Cada uma dessas citações são “gotas de orvalho” que caem lentamente no decorrer das noites frias, nas folhas fortes e resistentes do mundo fértil.
Mundo fértil das idéias, dos compromissos dos educandos / educadores / educação; da autonomia da Escola, da democratização do ensino.
São essas “gotas de orvalho” que caindo lentamente vão contribuir para a superação de propostas educacionais elitistas, autoritárias e excludentes, ajudando a encontrar alternativas curriculares mais adequadas a propostas democráticas e inclusivas.

terça-feira, 17 de maio de 2011

TECENDO FIOS 4

“O Currículo e a Escola”
Constata-se que o currículo, até bem pouco tempo atrás, não era visto como uma questão a ser discutida ou até mesmo pesquisada nos meios acadêmicos, na formação de docentes e até mesmo dentro da própria escola.
A questão do currículo e suas definições sempre ficaram restrito aos órgãos oficiais como o MEC e às Secretarias estaduais e municipais de educação,  a escola não tinha autonomia, a ponto de assumir, como próprias, as decisões sobre o currículo.
Os órgãos oficiais, ao longo dos tempos, estabeleceram reformas curriculares, na esperança de que, por meio delas, fossem  possível alcançar as finalidades básicas da educação, que deveriam ser incorporadas pela instituição escolar, sem ao menos, buscar o envolvimento dos educadores.
Percebe-se que a questão do currículo não é um problema de fácil solução. Ele sendo estruturado por disciplinas, resumido, o qual se dá o nome de grade curricular ou estrutura curricular, a solução pode parecer fácil, porém, quando o que se tem em vista é a necessidade de se estabelecer uma forte relação ensino / aprendizagem para alcançar de fato as finalidades de uma educação de qualidade  que hoje a sociedade demanda e precisa, a questão curricular torna-se extremamente desafiadora.
Outra  questão desafiadora é acabar com a “teoria da rotulação”, é preciso entender que o currículo e o conhecimento não são criações definitivas, estáticas, mas, sim, produtos de relações sociais. E, em se tratando de currículo escolar, a escola tem e deve usar de sua autonomia para incluir saberes e práticas pedagógicas mais específicas e significativas, pois é dentro das escolas que as relações sociais ocorrem e desempenha papel de extrema importância para a construção de identidades sociais e individuais.
É nessa perspectiva de desafio que se torna importante  e urgente que a questão curricular seja tratada como parte do projeto político pedagógico, como conjunto de decisões negociadas pelo coletivo da escola,  com o envolvimento efetivo do professor desfazendo assim as possibilidades de um currículo “tipo coleção” onde as áreas e campos do conhecimento são mantidos fortemente isolados, separados.
                                                         Ângela Maria Azevedo Morais
                                                                              12/05/2011

quarta-feira, 4 de maio de 2011

RESENHA 2 – TEORIAS CRÍTICAS

Dados da Obra
Autor: Tomaz Tadeu da Silva
Título: Documentos de Identidade – Uma introdução as Teorias do Currículo
Capítulo: Códigos e Reprodução Cultural: Basil Bernstein
Editora: Autêntica, 2003 – B. Horizonte

1- Idéias Principais / Argumentos Fundamentais.

            Para Bernstein o conhecimento educacional está interligado pelo que ele chama de três sistemas de mensagem: o currículo que define o conhecimento básico, a pedagogia que estrutura a forma como transmitir, organizar e sistematizar o conteúdo e a avaliação que estrutura os critérios pelos quais se pode dizer se o estudante aprendeu ou não.
           
            Na teorização de Bernstein observa-se que é através da estrutura do currículo e da pedagogia que se aprendem os códigos de classe.

            A questão crucial para Bernstein é: como se aprendem posições de classe?
Através do código. Que é um conjunto de regras implícitas. Pois é  o código que faz a ligação entre as estruturas macrossociológicas da classe social, a consciência individual e as interações sociais do nível microssociológico.

            Nessa linha de pensamento, Bernstein distingue o código elaborado e o código restrito onde os significados realizados pela pessoa são relativamente independentes do contexto local no código elaborado e no código restrito o “texto” produzido na interação social e fortemente dependente do contexto. Bernstein não hierarquisa esses códigos, pois trata-se simplesmente de códigos culturais diferentes.

            Na perspectiva de Bernstein aprende-se o código em diversas instâncias sociais, vivendo as estruturas sociais, como família e escola, sendo que na escola essas estruturas se expressam através do currículo, da pedagogia e da avaliação.

2- Idéias Secundárias / Alguns Detalhamentos

            Bernstein se preocupa com as relações estruturais entre os diferentes tipos de conhecimento que constituem o currículo e como essa organização do currículo está ligado a princípios diferentes de poder e controle.

            Na sua distinção entre currículo tipo coleção e o currículo integrado ele conclui que as áreas e os campos de conhecimento podem ser mantidos fortemente isolados, separados ou muito menos nítidos, muito menos marcados respectivamente.

            Bernstein usa o termo “classificação” para se referir ao maior ou menor grau de isolamento e separação entre as diversas áreas do conhecimento, com isso ele denomina de fortemente “classificado” um currículo do tipo tradicional e fracamente “classificado” um currículo interdisciplinar.

            Outro termo usado por Bernstein é o “enquadramento” que é usado para designar o processo de transmissão, podendo dizer que o ensino tradicional tem um “forte” enquadramento, enquanto que o ensino centrado no aluno é fracamente “enquadrado”.

3- Apreciação Crítica

            O capítulo escrito por Tomaz Tadeu da Silva é baseado na teorização de Basil Bernstein e tem como objetivo mostrar que é impossível compreender o currículo sem uma perspectiva sociológica, pois uma teorização crítica da educação não pode deixar de se perguntar qual  é o papel da escola no processo de reprodução cultural e social.

            O texto é direcionado a profissionais que atuam nas diversas áreas da educação e tem como proposta levar o educador a refletir que é através da estrutura do currículo e da pedagogia que se aprende os códigos de classe.

            O autor tenta dar uma roupagem mais clarificada a teorização de Bernstein que usa uma linguagem complexa e relativamente obscura.

            Trata-se de um livro de muita relevância na medida em que sugere ao leitor professor ou pesquisador da educação uma reflexão a cerca do que vem a ser currículo a partir de posicionamentos de vários autores.

Ângela Maria Azevedo Morais