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A ARTE DE SER AVÓ

Raquel de Queiroz

...Quarenta anos, quarenta e oito. Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as sua compensações - todos dizem isso, embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade.

Não de amores nem de paixão; a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas, que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.

E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que se lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo ou decepção, se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis...

quarta-feira, 15 de junho de 2011

TECENDO FIOS 7 - O CURRÍCULO E SUA COMPLEXIDADE

Uma primeira complexidade para Morin está na idéia de que tudo está em relação. Então não posso pensar numa prática de sala de aula dissociada das relações que envolvem as outras disciplinas, a produção dos alunos, a escola ou instituição na qual trabalho, a sociedade onde vivo. Um currículo e sua  complexidade implica, portanto, pensa-ló nas suas inter-relações.

O currículo nas suas inter-relações envolve, também, deixar de aprender “separando” como acontece na escola. Nessa direção Morin (1996a, p. 275) faz uma reflexão essencial:

Aprendemos muito bem a separar. (...) Nosso pensamento é disjuntivo e, além disso, redutor: buscamos a explicação de um todo através da constituição de suas partes. Queremos eliminar o problema da complexidade. Este é um obstáculo profundo, pois obedece à fixação a uma forma de pensamento que se impõe em nossa mente desde a infância, que se desenvolve na escola, na universidade, e se incrusta na especialização; e o mundo dos experts e dos especialistas maneja cada vez mais nossas sociedades. É esse, segundo ele, o núcleo do seu empreendimento reflexivo. E sem a pretensão de fechar o debate e de ter um pensamento “completo”, Morin nos instiga, em sua obra, a enfrentarmos a complexidade de nosso mundo, a olharmos para nós mesmos, com nossas fragilidades e medos, com um olhar profundo, olhando-nos e pensando-nos de maneira complexa, múltipla e singular.

A complexidade  do currículo implica também trabalhar com a desordem e com a incerteza, enfrentando-as de frente. Pensar a desordem como elemento necessário nos processos de criação e invenção.
Essa  complexidade implica pensar o humano em sua natureza multidimensional, racional e simbólica. “Cada ser, inclusive o mais vulgar ou anônimo, é um verdadeiro cosmos” (Morin, 1996a, p. 282).  Implica desenvolver “estratégias de pensamento e de ação”. Estratégia de pensamento significa pensar com a incerteza. Estratégia de ação é a arte de atuar na incerteza. “A  pesquisa e a descoberta avançam na perplexidade da incerteza e da impossibilidade de decidir” (Morin, 2002, p. 125).

Enfim, a complexidade do currículo pressupõe pensar em direção a um aspecto fundamental, o de que o conhecimento envolve limites e possibilidades e que precisamos tomar consciência dos limites provocados pelas incertezas, assim como, precisamos encontrar meios de contornar nossas limitações.

Morin nos instiga,  a enfrentarmos a complexidade de nosso mundo, a olharmos para nós mesmos, com nossas fragilidades e medos, com um olhar profundo, olhando nos  e pensando-nos de maneira complexa, múltipla e singular.

2 comentários:

  1. ângela, tudo é complexo. Até pensar ficou complexo. A complexidade do currículo então... É difícil trabalhar com desordens e incertezas, mas tenho certeza que você gostará dessa poesia:

    Complexo de Deus...

    O que é o homem,
    Verdadeiramente
    Um anjo ou um demônio?
    Um tudo ou um nada?
    Com seus pensamentos
    Pode alçar vôos de alegrias
    E alcançar os céus
    Como pode lançar-se no abismo
    Da tristeza
    Afundando-se no inferno
    Mais horrível fica
    Quando retoma a consciência
    Que é um ser banal e limitado
    Finito, pequeno e iludido
    Com um enorme complexo
    De superioridade sobre tudo
    E todos os outros seres

    Pobre homem sofre de complexo de DEUS

    de ALICE LUCONI NASSIF.

    Abraços,

    Paullus.

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  2. Da mesma forma como Morin instiga, seu texto instigou Paulo e me instiga também a registrar aqui a qualidade de suas reflexões.Talvez aqui esteja um pensar complexo.

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